sexta-feira, 28 de julho de 2017

Licença para absurdo

Licença para absurdo

Eu tenho um bando que chamo de meu com muito orgulho. Meu bando é pequenino, não faz uma manada não. Mas tá bom. O negócio é ser coeso, seguro e necessário. Com algum esforço e muita sorte, nele tenho materiais de todos os elementos. Elementos do zodíaco, eu tô falando. Porque meu mapa deu que tenho carência de fogo. Que era pra eu praticar artes marciais. Mas como boa taurina, eu tratei de poupar energia e me aglutinar a quem é quente por natureza, Porque esse negócio de suar demais não faz muito meu estilo. Mas, ok, porque não quero contrariar meu mapa, também tratei de entrar pra capoeira: que tem música, tem roda e gente bonita. Dois coelhos com um abraço só (licença poética, porque cajadada já tá muito fora de moda e, pelamordedeus, é preciso amor).

Mas como eu dizia, eu tenho um bando. E, do meu bando, eu tiro as melhores inspirações da vida. A de hoje, veio da minha geminiana favorita. Diga-se de passagem, só tem uma no grupo, porque um geminiano num grupinho já faz verão! Porque tê-los é saber que sua colônia será sempre abastecida do melhor do mundo das ideias. É notícia fresca no café da manhã. São exclamações de “pai amado, jura??!!”.  É listinha prática de afazeres. E foi dela a melhor ideia do meu dia: a “licença para absurdo”.

A licença para absurdo, claramente como toda licença, só pode ser tirada em situações especialíssimas: gravidez, pós-parto, ministrando aulas para alunos ‘the monios[1]’, em uso de remédios de tarja preta e nas epígrafes de tcc, dissertação, tese e outras coisas que tenham capa, contra-capa e agradecimentos.  Diante dessas ocasiões, cuidadosamente elencadas, ninguém poderá apontar o dedo pra você, nem te xingar, nem retrucar, caso você seja acometido pela possessão dos absurdos. Munidos de tal licença, serão permitidos: xingamentos, gestos obscenos, ênfases silábicas e tudo mais que a criatividade permitir. Não serão permitidos assassinatos e nem agressões físicas, que aí já é caso de polícia e a licença não cobre casos de polícia.

Para maiores esclarecimentos, nada como um bom estudo de caso clínico:  mulher, 34 anos, grávida, educada e sadia, ultrapassada na fila do elevador por mulher de 40 anos, apressada e inescrupulosa. Em dias normais (leia-se: não munida de licença para absurdo), você pode simplesmente dizer num tom sério e categórico: moça, tem uma fila aqui”. Mas, munida de sua licença pra absurdo, você poderá substituir essa frase por: “Ououououououououououououou você aí! Ééééééééééééééééééé você mesma do cabelo sem hidratação, regado no descolorante! Você meeeeeeeeeeeeeeeeesma, sua desgraçada míope dos infernos! Você não tá me vendo aqui não, é?”. Tudo isso balançando muito os braços, intercalados com mão na cintura e globo ocular todo trabalhado na capilaridade.  A mulher - grávida, 34 anos, educada, sadia -  munida de sua licença para absurdo - não poderá receber nenhum olhar enviesado, atravessado, encabulado. Todos, obrigados a compreender o cenário, dirão: sim, sim, sim, com certeza, senhora.

Sugiro outro estudo de caso para esclarecimentos finais: mulher, casada, de férias, 38 anos. Passou duas horas lavando as louças da pia. Marido chega, depois de dia exaustivo de trabalho, sente fome. Pega um melão na geladeira, pica picadinho e deixa as sementes dentro da pia. A casca vai pra lixeirinha que de tão limpa reflete sua imagem. Tudo ok, senão por um pequeno detalhe: lixeirinha sem sacolinha. Mulher, casada, 38 anos, munida de sua licença para absurdo, pode entubar, bem entubadinho a cabeça do homem na lixeirinha. E passar uma serra elétrica na pia e sair destruindo toda a casa.

Um leitor, mais atento, poderia me questionar: “mas, Fernanda, em que categoria essa louca se encontra para ter a licença pra absurdo?"

[Respiro, paro minha digitação, olho bem no fundo do olho do fulaninho leitor desavisado atento - provavelmente da categoria dos alunos the monio].

Leitor the monio emudece, abaixa os olhos e volta para as trevas.

E eu continuo a digitar, porque tá tudo lindo, tá tudo favorável. Porque eu tenho um bando. Porque eu tenho a minha licença pra absurdo coladinha com minha serra elétrica de bolso.



[Fer]




[1] Expressão gentilmente “cedida” por minha leonina favorita.

sábado, 17 de junho de 2017

Esse é um blog de coisinhas curtas. Eu, apesar de apaixonada por crônicas, deixo esse espaço para aqueles trechos que me tomam e que me fazem algum sentido na vida.

Pero que, apenas hoje, eu decidi vandalizar, como diz minha querida amiga Bia, carioca das melhores expressões.
Estava eu aqui, cheia de tarefas que obstinadamente procrastinei. Como boa procrastinadora que sou, decidi lavar os cabelos, tratá-los com uma boa mousse e assistir vídeos no youtube enquanto os secava, porque, afinal, eu quero o prazer para agora e já.

E aí que, passadas 2 horas e 12 minutos de procrastinação assumida, eu decidi que era hora de ligar o note e fichar aqueles 3 artigos que eu tenho que ler pra ontem, mas meu cérebro insiste que não, pelo amor de Deus, não. Eu quero o prazer agora e já. Eu já disse isso, mas meu cérebro tem TOC de repetição e prazer. Segui obstinada, ruminando no quadradinho, como Taína, minha amiga geminiana coração de ferro, gosta de me ilustrar ou ilustrar meu signo, que, no final das contas, é a mesma coisa.

Pois pois. Sentei aqui. E adivinhem? Estou escrevendo no blog ao invés de me concentrar nos fichamentos de meu Deus. E tudo isso porque escrever pra mim, assim, sem motivo, aviso prévio, prazo, escola, professor, nota, é um prazer que vai juntinho com a boa comida e séries da Netflix.

Eu me dei conta, cá com os meus botões, que eu escrevo desde sempre e que isso me sustentou e me levantou até no meio de uma crise de ansiedade punk que tive com 19 anos na faculdade, o que não foi pouca coisa. E eu comecei a escrever um romance banca de jornal no melhor estilo Julia, Sabrina e afins. Um romance que havia começado nos meus 14 anos e que, com 19, achava que podia amadurecer a personagem. Ilusion, com 19 eu ainda tinha 14.

Eu não terminei o livro e ele chegou a ter 170 páginas na A5. Um orgulho. Possivelmente, é muito ruim. Mas o que eu quero dizer é que o importante foi que aquele livro, escrever e mergulhar naquele mundo paralelo, me salvou de muitas formas. E eu sou grata pra sempre pelo meu "Jardim Secreto" inacabado.

Tudo isso pra dizer que eu amo escrever, me emocionar, apagar, não publicar, publicar. E me dei conta que eu sou isso aí, que da próxima vez que me perguntarem qual é minha profissão no cadastro do plano de saúde eu vou dizer que sou uma escritora desconhecida travestida em acadêmica. Ou melhor, vou dizer que sou escritora e ponto. Que esse negócio de acadêmico hoje em dia tá muito fora de moda. Agora, se tem uma coisa que é sempre bacana é ser escritor. É isso aí - vou vandalizar, vou avacalhar - meu nome é Fernanda e eu sou escritora.

Fernanda

domingo, 14 de agosto de 2016

sobre visitar o lago pela manhã


A casinha nova tem
um cantinho de mar
que só quando toca a boca
a gente sente que é doce.

[Fer]

quarta-feira, 27 de julho de 2016

E quem disse que a Fera não é bela?


Nunca fui muito fã de contos de fada. Tenho uma resistência à fantasia que nasceu comigo. Talvez no signo de touro. Tudo bem, na infância meu sonho era voar. Mas, eu tentava isso de forma muito sistemática: “subir no sofá, bater os braços bem rapidinho pra voar que nem passarinho”.  Não era pra voar como o super-homem. Era pra voar que nem passarinho. Mas eu falo sobre isso depois de ver o filme: A Bela e a Fera – a versão francesa com a Léa Seydoux e o Vincent Cassel. A Bela e a Fera é a minha exceção preferida de fantasia. Estava eu aqui buscando uma explicação psicológica pro fato.

E me lembrei de que junto com a Fera, também amava os dragões dos filmes (que também é a coisa que mais gosto no Game of Thrones). Acho que a explicação não precisa entrar fundo no mundo da psique. As feras e os dragões são lindos. Lindos, lindos e lindos – eu me permito enfatizar. Quando eu vejo o filme pela enésima vez, eu me pergunto: quem disse que a Fera não é bela? E, cá pra nós, até mais bela que a Bela.



[Fer]

quarta-feira, 25 de maio de 2016

Lepidoptera (lepis, idos), escama; (pteron), asa


As asas da borboleta têm pelos.
Os pelos, diferente daqueles dos mamíferos, são escamas.
Mas não as escamas dos peixes.
Os pelos das asas da borboleta se assemelham a um pó muito fino.
Atribuo a este fino pó um caráter mágico.
Pois, "é da difração dos raios luminosos incidentes sobre uma superfície tão finamente sulcada, que resultam as cores brilhantes das asas dos lepidopteros."*

Se um homem aprender sobre as borboletas -  e todas as suas minúsculas e essenciais estruturas - muito se orgulhará dela. Conhecerá a fortaleza por trás da fragilidade. E saberá por que, beijada todos os dias pelo sol, a borboleta mostra suas cores.


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Para minha querida amiga Darla, um poema-texto sobre as borboletas. Ou, um pouco mais do que eu descubro sobre ela, lendo sobre as borboletas.

Da sua amiga sempre,

Fernanda

* informação obtida através do acervo digital da UFRJ.

P.S.: feito pra Darlinha, no dia do seu aniversário (12/03).

sexta-feira, 18 de março de 2016

o dedinho e a dor

quando o dedinho médio do pé bate,
o que acontece?

ligeira, a dor corre pra todo o canto.

o dedo se faz gordinho
se pinta de roxo,
e a boca se abre no mais mexicano dos prantos.

e mais tarde quando o choro ainda vem
eu me pergunto se a dor é do dedinho ou é minha também.

e que ele só me fez ver
que a dor busca caminhos, riozinhos-dedinhos
pra poder florescer.


[Fer]

sábado, 9 de janeiro de 2016

O gato XV - As pupilas

As pupilas de um gato sorvem a última gota de luz.
E nada lhes escapa.

[Fernanda]

terça-feira, 17 de novembro de 2015

Do amor aos gatos

Poeminhas nascidos pela manhã do dia 12/11/15. Apenas o último veio de noitinha, enquanto minha querida Amélie acordava.

O gato I - o paradoxo

O homem tem duas pernas
O gato, para andar, usa quatro.
o homem é cheio de alarmes
e o gato, vc já sabe.

- Isso não é um paradoxo?

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O gato II - a criação

Estive imaginando a criação.
E, lá pelo quinto dia, Deus, tão bonitinho, pensou:
Bonito, elegante, inteligente e rápido.
E fez-se o gato.

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O gato III – o sonho

Quando eu vejo um gato dormindo,
eu imagino o seu sonho
cheio de passarinhos.

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O gato IV – o segredo

Quando eu vejo um gato
Eu me apaixono instantaneamente.
E de novo, de novo e de novo.
Esse é um segredo que eu vivo tentando não descobrir.

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O gato V – a fuga

Vou-me embora pra Pasárgada*
Lá eu sou amiga do rei,
Lá eu tenho mil gatos,
Na cama que escolherei.

*Obs. Manuel Bandeira do meu coração, peguei emprestado sua linda fuga, ok?

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O gato VI -  meu sonho

Se um dia eu crescer,
quero ser gato.

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O gato VII – o motivo

Se na casa de um amigo meu,
mora um gato,
eu encontro dois motivos para estar lá.

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O gato VIII – a declaração

Um amor que não se esgota.
A última gota nunca bebida.
Um copo que sempre transborda.

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O gato XI – o nascimento

Abriu meu peito, pela manhã,
a doce unha de um gato.
E, lá de dentro, nasceu amor.

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O gato X – os poemas

Que todas as palavras para os gatos
sejam sempre doces,
quentinhas e queridas.
Como eles merecem.

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O gato XI - o manual

Se um dia eu me desencontrar.
Se distante eu estiver. 
Liguem meu coração ao ronron de um  gato.
E eu acordarei em paz.

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O gato XII– poemas que já li

Um dia, pequena, li um poema:
“Já não sereis tão só e não irás tão sozinha”
Naquele dia, grande, eu entendi.

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O gato XIII - o segredo II

Que ninguém venha me explicar.
É um segredo.
Gatos são fazedores de paz.

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O gato XIV – o iogue

Preste atenção num gato assim que ele acorda.
Antes de comer ou conversar,
ele faz ioga.


[Fer]

segunda-feira, 29 de junho de 2015

Petit

é aconchego, é pelo macio
é cheiro bom,
é ronronar que transborda
e tira mansa lágrima de mim.

é leve passinho,
é miar baixinho,
é brincar de leão, de pique-esconde, de morder sem dó
e dormir de barriguinha pra cima,
(lindo que só...)

Meu Petit me encontrou, assim, petizinho
e eu o trouxe numa caixinha de papelão
e agora, gordinho, gordinho
tem meu carinho, caminha, mantinha e coração.

Meu Petit quentinho
Meu petit-amor
que quando dorme
é filhotinho que 'inda não voou.

[Fernanda]

18/07/2012





quarta-feira, 22 de outubro de 2014

sobre o contentamento

para mim o contentamento está em coisas difíceis de serem feitas:
é preciso muitas árvores, mangueiras altas, de copas volumosas;
é preciso garapeiras quase desnudas de folhas, mas de troncos fortes
duas a três jabuticabeiras sardentas, de olhinhos nascidos no verão
um gramadinho com matinhos altos, onde se escondem os sabiás dos gatos
quando no terreno querem catar bichinhos rasteiros;
e, claramente, serão necessários muitos bichinhos rasteiros para a sorte de passarinhos que compõe o contentamento.
e é preciso se ter uma casinha no meio do contentamento.
e que esta casinha seja feita de barro à moda do joão,
que dentro dela haja sofás de tecido macio pra deitar
e que na janela baixa do quarto, não se tenha perigo de sentar.
é preciso também que gatos e cachorros tenham acesso à casinha: de dia ou de noite,
pois são parte da família.
e a família compõe parte grande do contentamento,
pois, nele, é preciso também esquisitices da natureza humana.
para mim o contentamento está em coisas difíceis de serem feitas:
pois não conheço quem saiba construir árvores, gatos e passarinhos e nem as frutas das árvores.
por isso, penso eu, ser o contentamento a parte que nos cabe deixar crescer.

eu aprecio todos os dias o crescimento do meu espaço de contentamento no mundo,
e, por não saber fazê-lo, admiro Deus e tiro fotos.

[Fernanda]




















* Obrigada meu querido Manoel de Barros pela inspiração de "para compor um tratado sobre passarinhos(...)". Manoel de Barros, que também é parte grande do meu contentamento.
** Na foto, Petit, o campo e o lírio. 



segunda-feira, 20 de outubro de 2014

Le fabuleux destin



Fernanda gosta de cheiro de café, pão e manteiga as cinco da tarde
e gosta do tímido som de gato pulando sobre a cama de madrugada.

Ela não gosta de andar descalça em chão gelado, molhado ou grudentinho
e também odeia pés ressecados nas meias.

[Fernanda]


PS.: Amelie gosta: de ir ao cinema e olhar para trás no escuro para observar o rosto dos outros; procurar detalhes nos filmes que ninguém vê; enfiar a mão bem fundo no saco de cereais; quebrar a casquinha do creme brulée com uma colher e jogar pedras no canal Saint Martin.
Amelie não gosta: de quando os motoristas dos filmes não olham para a estrada.

[o fabuloso destino de Amelie Poulain]


segunda-feira, 14 de abril de 2014

olho de bicho

vê se pode, meu Deus do céu
tanta beleza em dois pontinhos só:
olho de gato
olho de cachorro
olho de cutia
olho de curió.

vê se pode, meu Deus do céu
tanto amor em dois pontinhos apenas:
olho de preguiça,
olho de camelo
olho de vaca
olho de siriema.

vê se pode, meu Deus do céu
tanta ligeireza em dois pontinhos nus:
olho de macaco,
olho de abelha,
olho de porquinho
olho de avestruz.

é que olho de bicho é olho de bicho
não há o que explicar.
de pertinho a gente se perde
na razão que não há.

[Fer]

três canções

moço dos olhinhos redondinhos
feito de passarinho
que também sabe cantar

faz para mim uma canção
bem lentinha pra juntar
eu você embaladinho
dois para cá, dois para lá

faz pra mim uma canção
bem baixinha pra dormir
eu você embrulhadinho
em duas notas de si.

faz pra mim uma canção
bem morosa pra acordar
eu você - dois bocejinhos
e dois acordes de lá.

[Fer]

morosa

e  s'eu disser que gosto de dormir
só por causa do quentinho
e do carinho
e do embrulhadinho
e do sosseguinho
e do escurinho?

[Fer]